Por que 40 dias de Quaresma?

Reunimos algumas perguntas mais correntes sobre a Quaresma e respetivas respostas para compreender melhor o sentido deste tempo litúrgico.

São Josemaria escreveu: “A Quaresma coloca-nos agora diante destas perguntas fundamentais: progrido na minha fidelidade a Cristo, em desejos de santidade, em generosidade apostólica na minha vida diária, no meu trabalho quotidiano entre os meus colegas de profissão? Cada um deve responder a estas perguntas sem ruído de palavras. E perceberá como é necessária uma nova transformação, para que Cristo viva em nós, para que a sua imagem se reflita sem distorções na nossa conduta”. É Cristo que passa, 58

O que é a Quaresma? Desde quando se vive a Quaresma? Qual o sentido da Quaresma?
Chamamos Quaresma ao período de quarenta dias (quadragesima) dedicado à preparação da Páscoa. Desde o século IV manifesta-se a tendência a apresentar este período como tempo de penitência e de renovação para toda a Igreja, com a prática do jejum e da abstinência.

“Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto” (Catecismo da Igreja Católica, 540). Ao propor aos seus fiéis o exemplo de Cristo que se retira para o deserto, prepara-se para a celebração das solenidades pascais, com a purificação do coração, uma prática perfeita da vida cristã e uma atitude penitencial.

Contemplar o mistério
Não podemos considerar esta Quaresma como uma época a mais, como uma simples repetição cíclica do tempo litúrgico. Este momento é único; é uma ajuda divina que temos que aproveitar. Jesus passa ao nosso lado e espera de nós - hoje, agora - uma grande mudança.
É Cristo que passa, 59

Quando começa e termina o tempo da Quaresma? Quais os dias e os tempos penitenciais? O que se deve viver nas sextas-feiras da Quaresma?
A Quaresma começa na quarta-feira de Cinzas e termina imediatamente antes da Missa Vespertina in Coena Domini (quinta-feira Santa). “Os dias e tempos de penitência na Igreja universal são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da Quaresma” (Código de Direito Canônico, 1250).

Estes tempos são particularmente apropriados para os exercícios espirituais, as liturgias penitenciais, as peregrinações em sinal de penitência, as privações voluntárias como o jejum e a esmola, a partilha fraterna (obras caritativas e missionárias). Catecismo da Igreja Católica, 1438

Lembrando o dia em que Jesus Cristo morreu, “Guarde-se (...) a abstinência e o jejum na quarta-feira de Cinzas e na sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo” (Código de Direito Canônico, 1251).

Contemplar o mistério
O chamado do Bom Pastor chega até nós: Ego vocavi te nomine tuo, eu te chamei pelo teu nome. É preciso responder - amor com amor se paga - dizendo: Ecce ego quia vocasti me ,chamaste-me e aqui estou. Estou decidido a não permitir que este tempo de Quaresma passe como passa a água sobre as pedras, sem deixar rasto. Deixar-me-ei empapar, transformar; converter-me-ei, dirigir-me-ei de novo ao Senhor, amando-o como Ele deseja ser amado. É Cristo que passa, 59

O que é a quarta-feira de Cinzas? Quando começou a prática da imposição das cinzas? Quando se benzem e se impõem? De onde provêm as cinzas? Que simbolizam as cinzas?
A quarta-feira das Cinzas é o princípio da Quaresma, dia especialmente penitencial, em que os cristãos manifestam o desejo pessoal de conversão a Deus. A imposição das cinzas é um convite a percorrer o tempo da Quaresma como uma imersão mais consciente e mais intensa no mistério pascal de Jesus, na sua morte e ressurreição, mediante a participação na Eucaristia e na vida de caridade. A origem da imposição das cinzas pertence à estrutura da penitência canônica. Começa a ser obrigatória para toda a comunidade cristã a partir do século X. A liturgia atual conserva os elementos tradicionais: imposição das cinzas e jejum rigoroso.

A imposição das cinzas é um convite a percorrer o tempo da Quaresma como uma imersão mais consciente e mais intensa no mistério pascal de Jesus, na sua morte e ressurreição, mediante a participação na Eucaristia e na vida de caridade.

A bênção e imposição das cinzas realiza-se dentro da Missa, depois da homilia, embora em circunstâncias especiais se possa fazer dentro de uma celebração da Palavra. As fórmulas de imposição das cinzas inspiram-se na Sagrada Escritura (Gn 3, 19 e Mc 1, 15). As cinzas procedem dos ramos benzidos no Domingo da Paixão do Senhor, do ano anterior, seguindo um costume que remonta ao século XII. A fórmula da bênção lembra a condição de pecadores de quem as vai receber. Simboliza a condição débil e caduca do homem, que caminha para a morte, a sua situação pecadora, a oração e a prece ardente para que o Senhor venha em seu auxílio, a Ressurreição, já que o homem está destinado a participar do triunfo de Cristo.

Contemplar o mistério
Quanto mais fores de Cristo, maior graça terás para a tua eficácia na terra e para a felicidade eterna.
Mas tens de decidir-te a seguir o caminho da entrega: a Cruz às costas, com um sorriso nos lábios, com uma luz na alma. Via Sacra, II Estação, ‘Jesus toma a sua Cruz’.

Qual é o convite da Igreja na Quaresma?
A Igreja convida os seus fiéis a fazerem deste tempo como que um retiro espiritual em que o esforço de meditação e de oração deve ser sustentado por um esforço de mortificação pessoal cuja medida é deixada à livre generosidade de cada um.
Bem vivida, a Quaresma conduz a uma conversão pessoal autêntica e profunda, a fim de participar na festa maior do ano: o Domingo da Ressurreição do Senhor.

Contemplar o mistério
Há no ambiente uma espécie de medo à Cruz, à Cruz do Senhor. É porque começaram a chamar cruzes a todas as coisas desagradáveis que acontecem na vida, e não sabem levá-las com sentido de filhos de Deus, com visão sobrenatural. Até arrancam as cruzes que os nossos avós plantaram pelos caminhos...
Na Paixão, a Cruz deixou de ser símbolo de castigo para converter-se em sinal de vitória. A Cruz é o emblema do Redentor: in quo est salus, vita et resurrectio nostra: ali está a nossa saúde, a nossa vida e a nossa ressurreição. Via Sacra, II Estação: ‘Jesus toma a sua Cruz’

O que é a penitência? De que modo a penitência se revela na vida cristã?
A penitência é a tradução latina da palavra grega metanoia que na Bíblia significa conversão (mudança espiritual) do pecador. Designa todo um conjunto de atos interiores e exteriores dirigidos à reparação do pecado cometido, e o estado das coisas que daí redunda para o pecador. À letra, mudança de vida diz-se do ato do pecador que volta a Deus depois de ter estado afastado d'Ele, o do incrédulo que alcança a Fé.

“A penitência interior do cristão pode ter expressões muito variadas. A Escritura e os Padres insistem sobretudo em três formas: o jejum, a oração e a esmola que exprimem a conversão, em relação a si mesmo, a Deus e aos outros. A par da purificação radical operada pelo Baptismo ou pelo martírio, citam, como meios de obter o perdão dos pecados, os esforços realizados para se reconciliar com o próximo, as lágrimas de penitência, a preocupação com a salvação do próximo, a intercessão dos santos e a prática da caridade ‘que cobre uma multidão de pecados’ (1 Pe 4, 8)” Catecismo da Igreja Católica, n.1434.

Estas e muitas outras formas de penitência podem ser praticadas na vida quotidiana do cristão, especialmente no tempo da Quaresma e no dia penitencial de Sexta-feira. Compêndio do Catecismo, 301.

Contemplar o mistério
A conversão é obra de um instante; a santificação é tarefa de toda a vida. A semente divina da caridade, que Deus depositou em nossas almas, aspira a crescer, a manifestar-se em obras, a dar frutos que correspondam em cada momento ao que é agradável ao Senhor. Por isso é indispensável que estejamos dispostos a recomeçar, a reencontrar - nas novas situações da nossa vida - a luz e o impulso da primeira conversão. Esta é a razão pela qual nos devemos preparar com um exame profundo, pedindo ajuda ao Senhor, para que possamos conhecê-lo melhor e conhecer-nos melhor. Não existe outro caminho, se queremos converter-nos de novo. É Cristo que passa, 58.

O que é a conversão? Porque têm de se converter os cristãos já batizados?
Converter-se é reconciliar-se com Deus, afastar-se do mal, para restabelecer a amizade com o Criador. Supõe e inclui o arrependimento e a Confissão de todos e de cada um dos nossos pecados. Uma vez em graça (sem consciência de pecado mortal), devemos propor-nos mudar a partir de dentro (em atitudes) tudo aquilo que não agrada a Deus.

Ora, o apelo de Cristo à conversão continua a fazer-se ouvir na vida dos cristãos. Esta segunda conversão é uma tarefa ininterrupta para toda a Igreja, que ‘contém pecadores no seu seio’ e que é, ‘ao mesmo tempo, santa e necessitada de purificação, prosseguindo constantemente no seu esforço de penitência e de renovação’ (Lumen Gentium, 8). Este esforço de conversão não é somente obra humana. É o movimento do ‘coração contrito’ (Sl 51, 18) atraído e movido pela graça (cf. Jn 6,44; 12,32) para responder ao amor misericordioso de Deus, que nos amou primeiro (cf 1 Jo 4,10). Catecismo da Igreja Católica, 1428

Contemplar o mistério
Entramos no tempo da Quaresma: tempo de penitência, de purificação, de conversão. Não é tarefa fácil. O cristianismo não é um caminho cômodo: não basta estar na Igreja e deixar que os anos passem. Na nossa vida, na vida dos cristãos, a primeira conversão - esse momento único, que cada um de nós recorda, e em que se percebe claramente tudo o que o Senhor nos pede - é importante; mas ainda mais importantes, e mais difíceis, são as sucessivas conversões. E para facilitar o trabalho da graça divina com estas conversões sucessivas, é preciso conservar a alma jovem, invocar o Senhor, saber escutar, descobrir o que vai mal, pedir perdão. É Cristo que passa, 57

Precisamos persuadir-nos de que Deus nos ouve, de que está com os olhos postos em nós; assim se inundará de paz o nosso coração. Mas viver com Deus é indubitavelmente correr um risco, porque o Senhor não se satisfaz compartilhando: quer tudo. E aproximar-se um pouco mais d’Ele significa estarmos dispostos a uma nova conversão, a uma nova retificação, a escutar mais atentamente as suas inspirações, os santos desejos que faz brotar na alma, e a pô-los em prática. É Cristo que passa, 58

Como concretizar o meu desejo de conversão?
De diferentes modos, mas sempre realizando obras de conversão, como por exemplo: Recorrer ao Sacramento da Reconciliação (Sacramento da Penitência ou Confissão), superar as divisões, perdoando e crescer em espírito fraterno; praticando as Obras de Misericórdia.

Contemplar o mistério
Aconselho-te que tentes alguma vez voltar... ao começo da tua “primeira conversão”, coisa que, se não é fazer-se como criança, é muito parecida: na vida espiritual, é preciso deixar-se guiar com inteira confiança, sem medos nem duplicidades; é preciso falar com absoluta clareza daquilo que se tem na cabeça e na alma. Sulco, 145

Que obrigações tem um católico na Quaresma? Em que consiste o jejum e a abstinência? A quem obrigam? Pode mudar-se a prática do jejum e da penitência?

Os católicos devem cumprir o preceito da Igreja do jejum e da abstinência de carne (Compêndio do Catecismo 432): nos dias estabelecidos pela Igreja, assim como o da confissão e Comunhão anual.

O jejum consiste em tomar uma única refeição no dia, embora se possa comer menos do que é costume de manhã e à noite. Em caso de doença, a pessoa é dispensada de jejuar. São obrigados a viver a lei do jejum todos os maiores de idade, até terem cumprido cinquenta e nove anos de idade (cf. CIC, 1252).

Abstinência significa privar-se de comer carne (vermelha ou branca e seus derivados). A lei da abstinência obriga os que já cumpriram catorze anos de idade (cf. CIC, 1252). “A Conferência episcopal pode determinar mais pormenorizadamente a observância do jejum e da abstinência, e bem assim substituir outras formas de penitência, sobretudo obras de caridade e exercícios de piedade, no todo ou em parte, pela abstinência ou jejum” (Código de Direito Canônico, 1253).

A CNBB esclarece que “No Brasil, toda sexta-feira do ano é dia de penitência, a não ser que coincida com solenidade do calendário litúrgico. Os fiéis nesse dia se abstenham de carne ou outro alimento, ou pratiquem alguma forma de penitência, principalmente obra de caridade ou exercício de piedade. A Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa, memória da Paixão e Morte de Cristo, são dias de jejum e abstinência. A abstinência pode ser substituída pelos próprios fiéis por outra prática de penitência, caridade ou piedade, particularmente pela participação nesses dias na Sagrada Liturgia” (Legislação complementar da CNBB quanto aos cânones 1251 e 1253 do Código de Direito Canônico).

Contemplar o mistério
É preciso decidir-se. Não é lícito viver mantendo acesas, como diz o povo, uma vela a São Miguel e outra ao diabo. É preciso apagar a vela do diabo. Temos que consumir a nossa vida fazendo-a arder por completo ao serviço do Senhor. Se o nosso propósito de santidade for sincero, se tivermos a docilidade de nos abandonarmos nas mãos de Deus, tudo correrá bem. Porque Ele está sempre disposto a dar-nos a sua graça e, especialmente neste tempo, a graça para uma nova conversão, para uma melhora na nossa vida de cristãos. É Cristo que passa, 59

Qual o sentido de praticar o jejum e a abstinência?

Deve cuidar-se o viver o jejum ou a abstinência não como uns mínimos, mas como um modo concreto com que a nossa Mãe a Igreja nos ajuda a crescer no verdadeiro espírito de penitência.

Como já acontecia com os profetas, o apelo de Jesus à conversão e à penitência não visa primariamente as obras exteriores, «o saco e a cinza», os jejuns e as mortificações, mas a conversão do coração, a penitência interior: Sem ela, as obras de penitência são estéreis e enganadoras; pelo contrário, a conversão interior impele à expressão dessa atitude cm sinais visíveis, gestos e obras de penitência (cf. Jl 2,12-13; Is 1,16-17; Mt 6,1-6. 16-18). Catecismo da Igreja Católica, 1430
Contemplar o mistério
No Novo Testamento, Jesus refere a razão profunda do jejum, ao estigmatizar a atitude dos fariseus que observavam escrupulosamente as prescrições que a lei impunha, mas o coração deles estava longe de Deus. O verdadeiro jejum, repete noutra ocasião o divino Mestre, consiste antes em cumprir a vontade do Pai celestial, que “vê no segredo e te recompensará” (Mt 6,18).