No meio da selva peruana

Carlos Prado trabalha na selva peruana gerando energia limpa. Neste relato explica como procura viver o espírito do Opus Dei a mais de mil quilômetros da capital do seu país.

Campamento “Nuevo Mundo”

Trabalho para uma empresa de energia que se dedica à produção de gás natural em instalações que ficam no distrito de Mengantoni, província de La Convención, Cusco. Nesta zona vive um dos numerosos povos indígenas amazônicos que povoam a selva peruana entre Cusco e Madre de Dios, os Matsiguenga.

“Terra, terra!”, a minha chegada ao Novo Mundo

Um trabalho como este requer diversas empresas e, no nosso caso, mais de trezentas pessoas para supervisar os trabalhos de manutenção, operações, catering, construção, vigilância, logística fluvial, segurança e saúde ocupacional. Esta última é a minha área.

Cheguei ao alojamento “Novo Mundo” em dezembro de 2017 e sou responsável pela segurança e saúde das pessoas que se encarregam da manutenção e operações da central de compressão de gás natural.

Vista aérea do Campamento “Novo Mundo”
Vista aérea do Campamento “Novo Mundo”

Neste tipo de centrais, o dia de trabalho é um pouco diferente do habitual, pois fazemos turnos rotativos de vinte e um dias de trabalho, com catorze de descanso. Suportamos o isolamento físico das nossas famílias durante vinte e um dias sem muita dificuldade com o desejo de depois poder dedicar duas semanas inteiras à família no final do turno e com a alegria de estar contribuindo para a produção de energia limpa.

O meu dia de trabalho no alojamento começa às 5h30 da manhã. Levanto-me, rezo e tomo o café da manhã. Depois de verificar como está a situação da segurança às 6h15 da manhã, os trabalhos começam às 7h e vão até às 5h da tarde. Muitas das reuniões são dirigidas por mim; outras são feitas pelos supervisores e trabalhadores: deste modo vamos criando a nossa própria cultura de segurança.

Estas reuniões me ajudam a dar um plus. Aí converso com os meus colegas, e posso dar orientação em temas relacionados com o trabalho profissional e a formação humana. Procuro não me limitar a aspectos técnicos, mas também descer a conselhos úteis com exemplos de virtudes humanas.

O trabalho preenche grande parte do dia. Depois, nas poucas horas de luz de que dispomos antes de anoitecer, procuramos conectar-nos com as atividades das nossas famílias que se encontram longe daqui. Estou casado com Carmen, a quem considero a minha heroína. Penso que, sem o seu amor e paciência, não poderia realizar este trabalho longe de casa. Temos quatro filhos: Carlos Javier, Juan Pablo, Álvaro Miguel e Renzo Gabriel.

À luz do anoitecer e das estrelas

No alojamento, não perdemos nenhuma oportunidade de compartilhar atividades com os nossos colegas: esporte, filmes, e também conversas de grupo no pequeno parque.

Em algumas das conversas pessoais com os meus colegas, recordo os meios de formação recebidos durante as mais de três décadas que, graças a Deus, levo no Opus Dei como supernumerário, e tento compartilhar o que aprendi na Obra: a santificação do trabalho e da família, a procura da felicidade e a frequência dos sacramentos.

Descobrir cada dia que essa felicidade vem da união com Deus, que todo o trabalho oferecido a Deus é oração, assim como toda a oração é trabalho, é sempre uma novidade para muitos deles.

Naturalmente, adoramos falar dos nossos filhos. Nessas ocasiões, podemos conversar com um pouco mais de intimidade de temas importantes, pelo que costumo apoiar-me nos Anjos da Guarda. Como diz São Josemaria num ponto do Caminho: “Conquista o Anjo da Guarda daquele que queres trazer para o teu apostolado. - É sempre um grande "cúmplice"” (Caminho, n. 563). Também aproveito para distribuir folhetos físicos e materiais do site da Obra.

Esperam-nos em todo o Peru

Nem todos os que trabalham em Mengantoni são peruanos, também há pessoas de países vizinhos como Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Venezuela.

Carlos com alguns companheiros de trabalho do campamento
Carlos com alguns companheiros de trabalho do campamento

Isto faz-me lembrar uma carta que me escreveu, em resposta a outra minha, D. Javier Echevarría, como Prelado, há uns anos: “Esperam-nos em todo o Peru e com o nosso apostolado também em muitos lugares...”. Por isso, rezo pelos meus amigos e procuro explicar que somos colaboradores de Deus na família, no cuidado dos filhos, no trabalho bem feito, e que para isso é necessário adquirir certas virtudes no trabalho e também na vida familiar.

Rezar no meio da selva

Muitas vezes há alguma emergência com as equipes na central que exige mais horas de trabalho e, no meu caso, um esforço adicional para não deixar de lado as normas de piedade. Para cumprir as atividades programadas e o plano de vida que vivemos na Obra, tenho a pílula: “Faz o que deves e está no que fazes”. Assim, tento aproveitar o tempo ao máximo.

Nas instalações, não temos capela nem igreja, pelo que assistir à missa ou confessar-se não é possível. Na selva peruana, muitas deslocações são em lancha e há poucos sacerdotes para atender as várias comunidades nativas. Não contamos com as vantagens que existem em qualquer outra cidade da costa ou da serra do Peru.

Nesses 21 dias, procuro rezar muitas comunhões espirituais ao longo do dia; faço propósitos de amar mais o Senhor; e concluo o dia rezando o Terço, que preencho com os nomes dos meus colegas e das nossas famílias.

Natal com a segunda família

Alguns de nós temos de passar o Natal e o Ano Novo com a nossa segunda família, como dizemos por aqui. Em 2022, combinamos com o chefe das instalações a vinda de um sacerdote para celebrar a missa de Natal e aproveitar a sua presença para a confissão e direção espiritual dos que quisessem.

Sem uma igreja, preparamos o melhor possível a sala de embarque de passageiros para celebrar a missa no alojamento.

Também tínhamos o objetivo de que todos os locais das empresas que estivessem interessados pudessem ter um lugar especial para o presépio e a árvore de Natal. Como é costume, jantámos com os colegas de cada empresa, e depois compartilhamos à meia-noite uma chocolatada e lembramos com algumas palavras o nascimento de Jesus. Antes de acabar o dia, tínhamos visitado todos os presépios e aproveitado para telefonar às nossas famílias.

No decurso destes anos, os ensinamentos de São Josemaria permitiram-me crescer em amor à minha família e valorizar o companheirismo, a amizade, a importância do serviço aos outros e a grandeza que adquire o trabalho feito por amor a Deus, com as suas circunstâncias e adversidades, numas terras onde talvez ninguém antes tivesse rezado uma Ave Maria.