Muito humanos, muito divinos (19): Para dar o melhor de si mesmo

As virtudes dão brilho a nossa personalidade e nos fazem flexíveis para descobrir o bem nas diversas situações cotidianas.

Um poeta imaginava como as aves das áreas costeiras, sustentadas pela brisa, voam ébrias pelo gozo de contemplar sempre a espuma do mar e a beleza do céu. Se não temos a sorte de viver perto do oceano, podemos recordar a impressão que ele causa em nós toda vez que voltamos lá; não apenas pela amplidão do mar, por suas cores ou pelo ambiente que gera, mas também por seu som. Já existem, de fato, inúmeras gravações do som do mar que permitem, de qualquer canto do mundo, obter um pequeno acesso a esse conjunto de vozes – da água, das rochas, das aves, da areia – tão revigorantes para quem as escuta. São Josemaria imaginava as virtudes precisamente como cada um destes sons, de timbre e intensidade tão distintos, mas que em conjunto formam a música marítima: “Assim como o rumor do oceano se compõe do ruído de cada uma das ondas, assim a santidade do vosso apostolado se compõe das virtudes pessoais de cada um de vós”.

Ser perfeitos não é sermos iguais

São Jerônimo escreve que “Cristo não ordena coisas impossíveis, mas sim perfeitas”. Diante disto poderíamos objetar que vemos o perfeito muitas vezes como impossível. Quem se atreve a dizer a respeito de si mesmo que as suas ações são
“perfeitas”? Os testemunhos dos santos, além disso, vão precisamente na direção contrária: eles têm, conforme se aproximam da luz de Deus, cada vez mais consciência de suas imperfeições. A nossa perplexidade aumenta se percebermos que o trecho do Evangelho ao qual São Jerônimo se refere é precisamente um mandamento de Jesus: “Sede pois perfeitos, como vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5, 48). Que mistério escondem estas palavras?

Um primeiro esclarecimento necessário talvez tenha a ver com a nossa compreensão do que significa “perfeito”, algo insuperável em sua espécie, algo que não pode ser melhorado. Aplicada à conduta de uma pessoa, tal ideia de “perfeição” pode estar tão longe da nossa experiência comum que podemos inclusive sentir certa repulsa. O sentido mais frequente com que esta palavra é utilizada na Bíblia tem, no entanto, a ver com algo completo, realizado, que dá tudo o que pode dar. Entende-se assim melhor que o convite de Cristo a “ser perfeitos” não é o ponto final de uma lista de critérios a serem cumpridos em todos os âmbitos da vida, e sim a coroação de um discurso no qual se fala de amar a todos, amigos e inimigos, como Deus os ama (cfr. Mt. 5, 43-48). “Ser santos não é fazer cada vez mais coisas ou cumprir certas atividades-padrão que nos tenhamos imposto como tarefa. O caminho para a santidade, como explica São Paulo, consiste em corresponder à ação do Espírito Santo, até que Cristo esteja formado em nós (cfr. Gl 4, 19)”.

Em continuidade com este sentido de “perfeição”, o Catecismo da Igreja fala das virtudes humanas indicando em primeiro lugar como a virtude “permite à pessoa não só praticar atos bons, mas dar o melhor de si”. Assim como, para gerar o som do mar, unem-se todas as ondas, sempre distintas umas das outras, em uma vida santa soam em harmonia cada uma das virtudes: juntas, dão forma à melhor versão de cada um. E assim como não há no mundo duas pessoas iguais, não há dois modos iguais de conjugar as virtudes. Para fazer-nos santos, quer dizer, para levar-nos para ele, Deus conta com cada uma de nossas características, únicas, que ele conhece muito melhor que nós. Cabe a cada um penetrar “no mistério do projeto único e irrepetível que Deus tem para cada um e que se realiza em meio aos mais variados contextos e limites”; tornar realidade, com a graça de Deus e com a nossa liberdade, o filho amado, a filha amada com que o Senhor sonhou desde a eternidade. Por isso, desde o começo, São Josemaria dizia àqueles que se aproximavam do Opus Dei: “Deveis ser tão diferentes como diferentes são os santos do Céu, que têm cada um as suas notas pessoais e especialíssimas”.

A santidade é uma roupa sob medida

As diferentes virtudes não nos ajudam apenas a escolher o bem em vez do mal em uma ação concreta; isso é bastante, mas ainda pouco. Na verdade, esse domínio sobre nós mesmos, constituído pelas virtudes, a ordenação das nossas forças para o amor, leva-nos a escolher o melhor em vez do medíocre. Uma compreensão redutiva da virtude faz que, às vezes, a vejamos como um compromisso entre dois extremos negativos, como a metade geométrica entre dois polos que queremos evitar. Assim, em vez de olhar para cima, preocupamo-nos em não cair no barranco da direita ou da esquerda. E, no entanto, Deus deu a cada um o seu próprio cume, que corresponde à paisagem geológica do caminho que seguimos; e nessa paisagem temos que descobrir tanto os diferentes obstáculos ou perigos que nos espreitam quanto o terreno em que nossos pés se firmam melhor no solo.

Comentando a ética aristotélica, São Tomás indica que “o meio para nós é o que não excede nem falta com a devida proporção para nós. O meio, por isso, não é o mesmo para todos”. O santo dominicano explica-o com a imagem do calçado para o qual cada pessoa deve encontrar seu próprio número; o filósofo grego, por seu lado, serve-se da imagem da comida, no sentido de que não são igualmente sóbrios um atleta e alguém que mal realiza exercício físico. Como não existe um modo único de viver as virtudes, não parece um bom caminho tentar escrever receitas universais para que alguém se transforme numa pessoa ordenada, generosa ou humilde. Além disso, como Aristóteles também compreendeu, não se chega a ser virtuoso apenas por realizar externamente uma série de atos, mas por realizá-los com disposições interiores específicas: “Em primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz; em segundo, deve escolher os atos, e escolhê-los por eles mesmos; e em terceiro, sua ação deve proceder de um caráter firme e imutável”. Por isso, se o ambiente em que se formam não estimula as pessoas a compreenderem o interesse em adquirir tal ou qual virtude, e a escolher livremente movidas pelo amor, os atos externos que supostamente seguem na direção dessa virtude, elas correm o risco de estar atuando em vão.

Uma mulher simples, deslumbrada pelo fato de que, para tornar-nos santos, o Senhor quer contar com as características pessoais de cada um, rezava assim: “Faz-nos viver nossa vida, não como um jogo de xadrez em que tudo é calculado, não como uma partida na qual tudo é difícil, não como um teorema que nos quebra a cabeça, mas como uma festa sem fim em que se renova o encontro contigo, como um baile, como uma dança entre os braços de tua graça”.

Músculos que se flexionam em qualquer direção

Algo que indica uma boa forma física é que os músculos têm uma grande elasticidade. Com exercícios de alongamento e um bom cuidado das articulações, o corpo pode alcançar posições difíceis inclusive de imaginar. Manter esta flexibilidade muscular ajuda a evitar problemas causados por uma má postura contínua e reduz a probabilidade de lesões. Algo análogo acontece com as virtudes na vida espiritual, e por isso São Josemaria costumava dizer que “a santidade tem a flexibilidade dos músculos soltos”. Nesse sentido, explica, assim como às vezes o amor de Deus nos levará a esforçar-nos por fazer algo que nos custa, outras vezes nos levará a optar por algo mais cômodo e a agradecer-lhe.

Não é casualidade que a palavra “virtude” provenha do latim virtus, que significa capacidade ou força, precisamente como os músculos. As virtudes, na medida em que passaram a formar parte de nós, não nos permitem apenas realizar os atos bons com gosto e facilidade, como nos tornam flexíveis para adotar a direção que cada circunstância pode requerer. É verdade que as virtudes levam a fazer as coisas de modo ordenado; mais profundamente, porém, levam-nos a ser nós mesmos ordenados, embora alguma vez isso possa não parecer externamente, ou não seja oportuno fazê-lo de uma determinada forma.

Conta-se que São Carlos Borromeu, quando era um jovem bispo, tinha fama de ser muito austero, comia e bebia apenas pão e água, nas quantidades indispensáveis; no entanto, se isso facilitasse o relacionamento com algumas pessoas, não via problema em tomar vinho sempre que fosse necessário. “Se nós, os cristãos atuássemos de outro modo – explicava o fundador do Opus Dei – correríamos o risco de tornar-nos rígidos, sem vida, como uma boneca de trapos”. Uma das coisas que, precisamente, chama a atenção sobre as bonecas de pano é que não podem deixar de sorrir. Todos gostamos de estar rodeados de pessoas alegres, mas alegres livremente, no momento adequado e na medida adequada, e não por terem chegado a adotar mecanicamente um determinado comportamento.

São Francisco de Sales, bem no começo de sua correspondência com aquela que seria um dia santa Joana de Chantal, advertia-a sobre a possível falta de liberdade de filha de Deus que poderia experimentar inclusive através de seus anseios de vida cristã. “Interrompa a meditação de uma alma que se apegou a esse exercício e verá que ela o faz com pena, ansiosa e amedrontada. Uma alma que tem verdadeira liberdade terá nesta situação equanimidade no rosto e bondade no coração face ao inoportuno que a incomodou, porque tudo é a mesma coisa, servir a Deus meditando ou servi-lo suportando o próximo; ambas as coisas correspondem à vontade de Deus, suportar, porém, o próximo é necessário naquele momento”.

“Sejam corajosos!”, animava o Papa Francisco um grupo de jovens poloneses. “O mundo precisa da sua liberdade de espírito, do seu olhar confiante sobre o futuro, da sua sede de verdade, de bondade e de beleza”. A força e a flexibilidade que as virtudes nos dão são como o clamor do oceano que insiste em mostrar-nos sua novidade e beleza; manifestam, além disso, a nossa docilidade ao Espírito Santo para que Cristo se forme em nossa alma de um modo único na história. Não é estranho que o Catecismo fale das virtudes precisamente no capítulo sobre “a vocação do homem”: por sermos chamados a viver essa vida divina, somos chamados a levantar o olhar para o horizonte, como aquelas aves costeiras, com a confiança de que Deus sustenta nossa luta.


[1] São Josemaria, Caminho, n. 960.

[2] São Jerônimo, citado na Catena Aurea, comentários a Mt 5, 43-48.

[3] Mons. Fernando Ocáriz, Carta pastoral 28-X-2020, n. 6.

[4] Catecismo da Igreja Católica, n. 1803.

[5] Francisco, Gaudete et exsultate, n. 170.

[6] São Josemaria, Caminho, n. 947.

[7] Santo Tomás de Aquino, Comentário a Ética a Nicômaco, Livro II, capítulo VI.

[8] Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1105a-1105b.

[9] Serva de Deus Madeleine Delbrêl, “O baile da obediência”.

[10] São Josemaria, Forja, n. 156. Citado por mons. Fernando Ocáriz, Carta pastoral, 28-X-2020, n. 6.

[11] Cfr. carta de são Francisco de Sales a baronesa de Chantal, 14-X-1604.

[12] Forja, n. 156.

[13] São Francisco de Sales, carta a baronesa de Chantal, 14-X-1604.

[14] Francisco, Mensagem, 15-VIII-2018.

[15] Catecismo da Igreja Católica, Terceira parte, Primeira secção.

Andrés Cárdenas Matute