Um sacerdote, um pai

Na madrugada do dia 23 de março de 1994, poucas horas depois de retornar de uma peregrinação à Terra Santa, faleceu D. Álvaro del Portillo. O jornal ABC, da Espanha, publicou no dia seguinte este artigo de D. Javier Echevarría, que tinha acompanhado D. Álvaro na viagem.

Nesta noite, um colapso cárdio-circulatório abreviou a vida de D. Álvaro del Portillo, prelado do Opus Dei. Pouco antes das 4 horas da manhã, ele me chamara para dizer-me que não estava bem: enquanto o médico o atendia, eu lhe administrei os últimos sacramentos, de acordo com um desejo explícito que ele tinha manifestado reiteradamente.

Os olhos estão cheios de lágrimas, mas sai do coração um sincero ato de agradecimento: as circunstâncias que marcaram o seu trânsito ao Céu têm a marca de uma última carícia paterna de Deus. Ontem mesmo tínhamos voltado de uma peregrinação à Terra Santa: uma semana de intensa oração, durante a qual pôde percorrer, com um intenso recolhimento, os passos de Jesus. Nestes dias teve encontros pastorais com numerosos fiéis, exortando-os a ser promotores da paz: a paz social é consequência da paz interior, que brota da correspondência pessoal à graça divina, da luta de cada um contra as marcas do pecado que temos dentro da alma.

Ontem tinha celebrado a Santa Missa pela última vez em Jerusalém, na Igreja do Cenáculo. E precisamente ontem à tarde voltou a Roma: quando o Senhor o chamou a Si, um grupo de filhos seus estava à sua volta. As lágrimas se convertem em oração. E, na oração, dor e consolação se encontram e se confundem.

No entanto, a oração hoje se dirige também a suplicar a Deus a graça de que nos ajude a assumir a herança que nos deixou. Toda a sua vida foi um contínuo ato de fidelidade à mensagem espiritual de São Josemaría. Aqui está o fundamento da fecundidade com a qual o Senhor abençoou o trabalho deste seu filho desde que, em 1935, com vinte e um anos, se havia incorporado ao Opus Dei.

No fim de março de 1939, quando era iminente o fim da guerra civil espanhola, São Josemaría Escrivá dizia-lhe numa carta: “Que claro é o caminho — longo — que está à sua frente! Claro e cheio de frutos, como campo pronto para a colheita. Bendita fecundidade de apóstolo, mais bela do que todas as belezas da terra!”.

Seguiram-se, em rápida sucessão, o fim das hostilidades, o reinício estável das atividades apostólicas do Opus Dei em todo o país, o título de engenheiro, o início da atividade profissional e, acima de tudo, a sua estreita colaboração com o fundador no governo do Opus Dei: quase quarenta anos vivendo juntos, ombro a ombro, dia a dia, que foram uma contínua escola de união com Deus, de oração ininterrupta, de dedicação às almas, de amor à Cruz, de um sacerdócio vivido até nas fibras mais ocultas do coração.

D. Álvaro del Portillo foi um dos três primeiros membros do Opus Dei ordenados sacerdotes em 25 de junho de 1944. Dentro de poucos meses, teria celebrado o seu jubileu sacerdotal. Tornou-se realidade aquela esperança que São Josemaría manifestava naquela carta de 1939: uma sequência maravilhosa de graças que sinto-me obrigado a recordar. Deus é fiel às suas promessas. Todo sacerdote, mesmo que escravo do seu ministério na aldeia mais perdida, é testemunha da fecundidade que emana do sacerdócio de Cristo: frutos quase sempre invisíveis aos olhos dos homens, não traduzíveis em dados estatísticos, mas cuja existência tem uma duração de eternidade. Frutos de graça, de fidelidade ao compromisso cristão, de paz, de compreensão e de perdão, de generosidade e de sacrifício, de dor transfigurada em amor.

Cristo vive na sua Igreja e atua através da voz do sacerdote e das suas mãos consagradas. A graça, que flui dos sacramentos e do anúncio valente e fiel da Palavra, renova incessantemente os milagres evangélicos: “Porque também hoje se devolve a vista aos cegos, que haviam perdido a capacidade de olhar para o céu e contemplar as maravilhas de Deus; também hoje se dá liberdade aos coxos e entrevados, que se achavam tolhidos por suas paixões e já não tinham um coração que soubesse amar; também hoje se dá ouvido aos surdos, que não desejavam ter notícia de Deus; e se consegue que falem os mudos, que tinham amordaçada a língua por não quererem confessar suas derrotas; também hoje se ressuscitam mortos, em quem o pecado havia destruído a vida” (Josemaría Escrivá, “É Cristo que passa”, n. 131).

Dispensador dos mistérios divinos, o sacerdote fiel escuta como ressoam no mais íntimo da sua alma as palavras de Jesus: “Alegrai-vos de que os vossos nomes estejam escritos nos céus” (Lc 10, 20). Sou testemunha dos prodígios realizados por Deus através do ministério de D. Álvaro: por isto, não duvido de que o Senhor o acolheu na sua Glória.

Releio o que escrevi até agora, e vejo que as palavras “fiel” e “fidelidade” ocorrem muitas vezes: uma imperfeição estilística que não corrigirei, porque traça o retrato mais adequado, a meu ver, da personalidade de Álvaro del Portillo. Compartilhei com ele a certeza de que São Josemaría foi o instrumento escolhido por Deus para uma missão providencial para a vida da Igreja. Percebi nele, em quarenta e quatro anos de colaboração, a consequência coerente de tal convicção: sempre, mas sobretudo desde 15 de setembro de 1975, quando, na primeira votação e por unanimidade, foi eleito para sucedê-lo à frente do Opus Dei, decidiu ser só a sombra do Fundador. Nesta fidelidade, sem o desejo de atualizar aquilo que, como o Evangelho, é perenemente atual (o próprio São Josemaría escreveu que, nas coisas de Deus, “aggiornamento” significa sobretudo fidelidade), está a causa da fecundidade que marcou a trajetória da sua vida de sacerdote.

Sinais dessa fecundidade sacerdotal? Antes de mais nada, os serviços prestados à Santa Sé, com inesgotável perseverança e em adesão exemplar ao Papa: desde o seu trabalho em numerosas Comissões conciliares, nas quais foi um dos peritos mais ativos (entre outras missões, foi secretário da Comissão para o Clero, à qual se deve o decreto “Presbyterorum Ordinis”), ao seu empenho como consultor das mais variadas congregações romanas (Doutrina da Fé, Causas dos Santos, Clero, Religioso), Comissões e Conselhos Pontifícios. Na sua vida foi palpável a aspiração de São Josemaría: “Servir a Igreja como a Igreja quer ser servida”.

Passaram-se quase dezoito anos desde o dia da sua eleição para suceder o Fundador do Opus Dei. Neste período, receberam a ordenação sacerdotal mais de oitocentos membros da Prelazia, desejosos de servir a Igreja com todo o coração. O Opus Dei iniciou a atividade apostólica de modo estável em vinte e um novos países: do continente americano (Bolívia, Honduras, Nicarágua, Trinidad-Tobago, República Dominicana) à Europa (Suécia, Finlândia, Polônia, República Tcheca, Eslováquia e Hungria); da África (Zaire, Costa do Marfim e Camarões) à Ásia (Índia, Taiwan, Macau, Hong Kong, Cingapura); da Oceania (Nova Zelândia) até Jerusalém: o seu impulso pastoral, seguindo as pegadas do dinamismo evangelizador a que João Paulo II está chamando toda a igreja, abriu horizontes inexplorados à mensagem do Opus Dei, a proclamação da vocação universal à santidade e o valor santificante do trabalho cotidiano.

Em toda a parte, iniciativas sociais de grande alcance, sempre movidas por aquilo que é a primeira responsabilidade e a atenção primordial dos pastores: bens espirituais de salvação. Algumas destas iniciativas se destacam pela sua incidência na solução dos problemas sociais do ambiente em que se encontram: novas universidades em países que se esforçam na formação de quadros dirigentes capazes de contribuir para promover um desenvolvimento homogêneo e que respeite a dignidade do homem; instituições educativas e assistenciais para atender áreas e populações particularmente necessitadas, sobretudo na América Latina e na África. Não faltam tampouco acontecimentos com o sabor de autênticos marcos na história do Opus Dei, porque são o cumprimento de projetos nos quais São Josemaría havia trabalhado pessoalmente, com a sua oração e o seu trabalho de anos, como a ereção do Opus Dei em prelazia pessoal. No começo do Ateneu Romano da Santa Cruz pode-se perceber a herança do zelo do Fundador em prodigalizar as suas melhores energias no serviço à Igreja, para a formação de sacerdotes exemplares na doutrina e na vida espiritual.

O espírito com que D. Álvaro del Portillo quis inspirar a sua missão como Prelado do Opus Dei se condensou de modo particular na beatificação do Fundador. Naquele dia inesquecível ficou patente diante dos nossos olhos a verdadeira natureza da fecundidade de que venho falando: uma multidão de pessoas que testemunhavam, com um recolhimento impressionante, que a identidade do cristão se encontra na busca de Deus, na sede de santidade, no amor à Igreja e ao Papa.

Uma multidão de fiéis aflui a estas horas à Igreja Prelatícia do Opus Dei, para rezar diante dos restos mortais de D. Álvaro. Nos seus olhos se vê comoção, afeto, gratidão. Evocando o que ele nos ensinou durante estes anos, posso afirmar que hoje não se fecha uma etapa da história do Opus Dei nem se abre uma nova fase: continua, com a certeza de contar com um novo intercessor, a etapa da continuidade, da fidelidade à herança espiritual de São Josemaría Escrivá.