· Nasci em Madri, na rua Fortuny, no dia 14 de junho de 1932. O meu pai era engenheiro, professor da Escola de Engenheiros de Máquinas (...). Eu queria ser operador de bolsa de valores, como o meu avô, para ganhar dinheiro e viver bem. Depois, Deus meteu-se na minha vida e alterei os meus planos; aqui, em Roma, estudei Direito Canônico no Angelicum e Direito Civil na Universidade Lateranense, as licenciaturas e os doutoramentos.
· Estudei nos Maristas da rua García de Paredes. Muito perto, certamente, do local onde onze anos antes – em 1928 – Josemaria Escrivá tinha "visto" o Opus Dei (...). Vivi também, em pequeno, no mesmo imóvel onde havia um Centro do Opus Dei. Passado o tempo, quando soube que o fundador da Obra tinha ido muito a essa casa e que costumava subir e descer pelas escadas, não indo de elevador, pensei que talvez nos tivéssemos cruzado alguma vez. E que me teria rezado ao meu Anjo da Guarda, pedindo a minha vocação. Costumava fazê-lo, quando passava junto de alguém.
· Num domingo à tarde, no dia 6 de junho de 1948, íamos ao cinema. Um dos meus amigos telefonou-me, propondo-me uma alteração de planos: "Gostaria de ir a uma residência, em Diego de León, para sabermos o que é o Opus Dei?". E lá fomos os seis. Atenderam-nos muito bem (...). Ao sair, levava no meu bolso uma estampa novinha em folha de Isidoro Zorzano, um engenheiro do Opus Dei. Pareceu-me um "santo leigo" atrativo, que se podia imitar.
· Isto aconteceu na véspera da morte do meu pai. Ele estava preparando as férias de verão da família em São Sebastião, quando teve um enfarte. Como não nos deram a notícia de imediato, mas disseram-nos que estava muito mal, lembro-me de que rezei por ele, com a estampa de Isidoro.
· Nesse verão ficámos em Madri. Nunca tinha sido assim. E isto deu-me oportunidade para frequentar um Centro da Obra que – outra casualidade! - havia na minha rua: os Echevarría tinham regressado ao “Españoleto”. E chamava-se "Españoleto" aquele andar de gente jovem onde, sempre que por lá aparecia, me davam algum trabalhito da casa para fazer; lixar umas cadeiras velhas para serem pintadas de novo; ajudar na decoração; dar uma ajuda nalgum arranjo de carpintaria... Agradou-me isso de me sentir útil e de ser tratado como alguém que pode fazer algo pelos outros. Em 8 de setembro pedi a admissão na Obra. Tinha 16 anos.
· Prendeu-me o ambiente de alegria; estudavam e trabalhavam como loucos, mas estavam muito contentes; o fato de, sem mudar de estado, uma pessoa poder santificar-se com a sua profissão; e ainda o imenso horizonte de poder levar Cristo a muita gente. Desde muito pequeno eu era muito sociável e gostava de ter muitos e muito bons amigos.
· O Padre vivia já em Roma desde 1946, embora viesse a Espanha com certa frequência. Numa dessas viagens, em novembro de 1948, convidaram-nos para uma tertúlia com ele. Sem que ninguém mo inculcasse, eu desejava conhecer o Padre. Ao acabar aquela tertúlia – seríamos uns trinta e cinco – o Padre dirigiu-se aos três que éramos os mais recentes e propôs-nos ir, nessa mesma tarde, com ele conhecer Molinoviejo, uma casa em pleno campo de Segóvia, para convívios e retiros.
· Metemo-nos seis num velho Vauxhall. O Padre ia atrás. Eu, à frente, partilhando o assento com outro. Conduzia o doutor Odón Moles. Durante o trajeto fizemos de tudo: conversámos, cantamos, rimos, rezamos... Com a sua voz de barítono, bem timbrada e bem modulada, [S.Josemaria] cantava canções populares, canções de amor que endereçava a Deus: "tenho um amor que me enche de alegrias...". Brincava imenso conosco. Ah, bem, eu enjoei, vomitei... e como ia de preto pelo luto do meu pai, fiquei perdido. Ajudou-me a limpar, tirou-me o embaraço pela situação, fez com que viajássemos com a janela aberta, apesar de estarmos em novembro, e teve para comigo tanto carinho que, realmente, me senti atendido, não já por um pai, mas por um pai bom, tolerante e compreensivo.
· Em 1950 estava aqui fazdndo um curso de formação, quando o Padre comentou que nesse ano, viriam de Espanha, sete para fazerem o Colégio Romano da Santa Cruz. E eu disse-lhe: "pois eu gostaria de ser um desses sete". De imediato respondeu-me: "Fala com D. Álvaro. Se arranjas as coisas com a tua família, eu não tenho inconveniente". Voltei a Madri para falar com a minha mãe cara a cara e não por carta. Solucionei o assunto e... aqui estou.
· [Quando penso em S. Josemaria] Vejo-o entre as pessoas, falando de Deus... Vejo-o indo, saindo ao encontro dos outros... Vejo-o entregando-se a todos nós, a tempo inteiro, sem poupar esforços, sem reservar um minuto para si próprio. Tudo o que nos dizia respeito – uma dor de dentes, um exame, uma preocupação familiar, um desafio de futebol em que íamos jogar – tudo lhe era conhecido e familiar. Éramos a sua vida!
· A D. Álvaro vejo-o eclipsando-se sempre, num segundo plano, num lugar em que pudesse ver, ouvir e atender o nosso Padre; olhando-o, inclusive fisicamente, com o desejo de aprender dele. E isto, apesar dos seus magníficos dotes humanos, com os quais atraía as pessoas. Vi-o sempre pendente do nosso Fundador, secundando-o em tudo, para o ajudar a fazer o Opus Dei.
· Em 1955 ordenei-me sacerdote. Em 1956, após o Congresso Geral do Opus Dei – que teve lugar no Hotel Pfauer, um hotel modesto de Einsiedeln (Suíça) – o nosso Padre disse-me: "Javier, tenho que escolher dois custódios, de uma lista de nove nomes que me deu o Conselho. Eu desejaria que um fosse D. Álvaro e o outro tu. Estás de acordo?". Eu tinha 24 anos e pensei que havia muitos que tinham mais tempo na Obra, que tinham mais experiência e mais dotes e que poderiam fazê-lo melhor do que eu. Mas confiei na graça de Deus e no discernimento do Padre.
· A mim competia-me cuidar do Padre em tudo o que dizia respeito aos aspectos materiais, desde decidir se era necessário comprar uns sapatos, até acompanhá-lo ao médico, ou preparar uma viagem... E também dar-lhe – não direi "correções" – indicações concretas sobre questões externas, perceptíveis, nas quais pudesse melhorar ou atuar de outro modo.
· Os custódios existem para que o Prelado, o Padre, não viva sozinho, não seja um homem isolado lá em cima; e, além disso, para poder ser ajudado a ser melhor. A continuidade só se verificou quando D. Álvaro e eu fomos os custódios. Antes havia sempre um custódio que mudava. Só D. Álvaro permanecia.
· [S. Josemaria e D. Álvaro] Deixaram a fasquia muito alta, mas também deixaram um alicerce muito forte. Por um lado, do Céu eles ajudam. E por outro, é muito nítido o exemplo da forma como eles atuaram. Bastará pensar, diante de qualquer situação: que faria o Fundador? ou, que faria D. Álvaro?, para ter a segurança quase total de que, indo por esse caminho, se acerta.
· Tive a minha própria vida. Nunca teria sonhado realizar a minha vida de um modo tão ambicioso. Vivendo ao meu jeito, teria tido uns horizontes muitíssimo mais estreitos, voos mais curtos. Se não tivesse estado, dia após dia, junto a dois homens de tão elevada estatura humana e espiritual, nunca teria tido a ambição de me entender com todo o mundo, de me preocupar com todas as almas.
· Eu, como homem do meu tempo, como cristão e como sacerdote, sou uma pessoa realizada. E tenho o coração mundializado, graças a ter vivido com dois homens de espírito grandioso, cristãmente grandioso.
· Estou muito orgulhoso de me ter "criado" perto de Monsenhor Escrivá. Gostaria de ter aprendido ainda mais dele! E o que sempre me ensinou foi a dilatar o meu coração de sacerdote. A ter os braços abertos a todo o mundo, viessem donde viessem e viessem como viessem, mesmo que se apresentassem como meus inimigos mortais. Em qualquer hora, em qualquer lugar e circunstância, a ter o coração aberto de par em par, para quem tenha necessidade de mim...".
Extratos de uma entrevista realizada por Pilar Urbano.