Mestre da liberdade

"Peço a vocês que difundam o amor ao bom jornalismo, que é aquele que não se contenta com rumores infundados, com boatos inventados por imaginações febris. Informem com fatos, com resultados, sem julgar as intenções, mantendo a legítima diversidade de opiniões, num plano equânime, sem descer ao ataque pessoal."

Quem teve, como eu, a experiência de conhecer um homem de Deus sabe que certas datas têm o condão de despertar muitas lembranças. Quarta-feira, 9 de janeiro, dia em que se evocará o centenário do nascimento do bem-aventurado Josemaria Escrivá, fundador do Opus Dei, será, para mim, uma dessas ocasiões.

Recentemente, o papa João Paulo II aprovou o decreto da Congregação para a Causa dos Santos sobre um milagre atribuído à intercessão do bem-aventurado, passo prévio para sua canonização. A figura amável de monsenhor Escrivá e a força de sua mensagem tiveram grande influência em minha vida pessoal e profissional. Aproveitando a efeméride, quero compartilhar com você, caro leitor, duas idéias recorrentes na vida e nos ensinamentos de monsenhor Escrivá: seu amor à verdade e sua paixão pela liberdade. Trata-se de convicções que constituem uma pauta permanente para todos os que estamos comprometidos com a tarefa de apurar, editar, processar e transmitir informação.

"Peço a vocês que difundam o amor ao bom jornalismo, que é aquele que não se contenta com rumores infundados, com boatos inventados por imaginações febris. Informem com fatos, com resultados, sem julgar as intenções, mantendo a legítima diversidade de opiniões, num plano equânime, sem descer ao ataque pessoal. É difícil que haja verdadeira convivência onde falta verdadeira informação; e a informação verdadeira é aquela que não tem medo à verdade e que não se deixa levar por desejos de subir, de falso prestígio ou de vantagens econômicas." A citação, extraída de uma das entrevistas do fundador do Opus Dei à imprensa, é um estímulo ao bom jornalismo.

Apoiado na força de sólidas convicções, o pensamento de monsenhor Escrivá suscita, ao mesmo tempo, uma visão aberta, serena, pluralista. Sempre me impressionou o tom afirmativo da pregação de monsenhor Escrivá. Sua defesa da fé não é, de fato, antinada, mas a favor de uma concepção cristã da vida que não pretende dominar à força da imposição, mas, ao contrário, quer se apresentar como uma alternativa cuja validade depende da resposta livre do homem.

Sua doutrina se contrapõe a uma doença cultural do nosso tempo: o empenho em confrontar verdade e liberdade. Frequentemente, as convicções, mesmo quando livremente assumidas, recebem o estigma de fundamentalismo. Impõe-se, em nome da liberdade, o que poderíamos chamar de dogma do relativismo. Essa relativização da verdade não se manifesta apenas no campo das idéias. De fato, tem inúmeras consequências no conteúdo ético da informação. A tese, por exemplo, de que é necessário ouvir os dois lados de uma mesma questão é irrepreensível; não há como discuti-la sem destruir os próprios fundamentos do jornalismo. Só que passou a ser usada para evitar a busca da verdade. A tendência a reduzir o jornalismo a um trabalho de simples transmissão de diversas versões oculta a falácia de que a captação da verdade dos fatos é uma quimera. Com efeito, se a verdade fosse impossível de ser alcançada, a simples apresentação das versões (ouvir o outro lado) representaria o único procedimento válido. Pretende-se, no fundo, transmitir a ideia de uma radical objetividade que, na prática, não existe. Josemaria Escrivá rejeita essa atitude míope e empobrecedora. "Informar", diz ele, "não é ficar a meio caminho entre a verdade e a mentira." O bom jornalista é aquele que aprofunda, vai atrás da verdade que, frequentemente, está escondida atrás da verdade aparente. É, sobretudo, aquele que não se esconde por trás de uma neutralidade falsa e cômoda.

Ao mesmo tempo em que defende os direitos da verdade, monsenhor Escrivá não deixa de enfatizar o valor insubstituível da liberdade humana - particularmente da liberdade de expressão e de pensamento - contra todas as formas de intolerância e sectarismo E, ao contemplar o dogmatismo que, tantas vezes, preside as relações humanas, manifesta uma sentida queixa:

"Que coisa triste é ter uma mentalidade cesarista e não compreender a liberdade dos demais cidadãos, nas coisas que Deus deixou ao juízo dos homens." Para ele, o pluralismo nas questões humanas não é apenas algo que deve ser tolerado, mas, sim, amado e procurado.

Na sua defesa da liberdade, no entanto, não ficava num conceito descomprometido, mas mergulhava na raiz existencial da liberdade: o amor - amor a Deus, amor aos homens, amor à verdade. O bom jornalismo, verdadeiro e livre, está profundamente comprometido com a dignidade do homem e com uma perspectiva de serviço à sociedade. São muitos os aspectos da mensagem de monsenhor Escrivá que, devidamente meditados, servem de poderosa alavanca ao fascinante exercício do jornalismo de qualidade.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo para Editores e professor de Ética Jornalística, é representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra no Brasil.

Carlos Alberto Di Franco // Estado de Minas