"Levar o amor de Deus ao vasto mundo das profissões"

Este é o título de uma entrevista que o editor-chefe da revista Tertio, Emmanuel Van Lierde, fez ao o novo prelado do Opus Dei. A entrevista foi publicada em Antuérpia (Bélgica) em 8 de novembro de 2017.

Fernando Ocáriz está desde o início do ano à frente do Opus Dei. Embora esta prelazia tenha sido frequentemente qualificada como “conservadora” e o Papa Francisco como “progressista”, Ocáriz acredita que as prioridades do Opus Dei estão em perfeita sintonia com os acentos definidos pelo Papa Francisco: levar a alegria do evangelho à periferia, às famílias, aos jovens e ao mundo do trabalho. A conexão entre o papa e a prelazia é admirável.

1. Como conheceu o Opus Dei e o que o fez decidir-se a fazer parte dele?

Conheci o Opus Dei através de um dos meus irmãos, a quem estou muito agradecido. Ele me convidou a participar de umas aulas de formação espiritual organizadas num centro para jovens estudantes: gostei do ambiente, o tom amável e prático dessas reuniões formativas. Porém, como no colégio dos jesuítas em que eu estudava já tínhamos bastantes aulas de formação religiosa, não achava necessário continuar a participar. Mais tarde, durante o verão anterior ao ingresso na universidade, em 1961, comecei a frequentar outro centro do Opus Dei. Naquele verão, quando me propuseram fazer parte da Obra, considerei essa possibilidade por um tempo na oração e cheguei à conclusão de que era o que Deus queria de mim. Como consequência, escrevi uma carta ao fundador pedindo-lhe a admissão. Foi assim, simples. Seis anos depois, aceitei o convite de me mudar para Roma, e aprofundar nos estudos de filosofia e teologia. E foi lá onde me foi oferecida a possibilidade de servir aos demais de um modo novo, através do sacerdócio. Foi o próprio fundador, São Josemaria Escrivá, que me propôs. Como essa ideia já estava na minha cabeça, aceitei rapidamente. Esta é uma dessas decisões fundamentais que se tomam na oração, em diálogo com Jesus Cristo.

2. Faz quinze anos que Escrivá foi canonizado. Por que fundou o Opus Dei? Que lembranças pessoais guarda dele?

São Josemaria dizia que o Opus Dei não foi ideia sua, mas fruto de uma inspiração de Deus, que ocorreu em Madri em 2 de outubro de 1928. Nem o contexto cristão da época, nem as reflexões do jovem Josemaria a partir de seus estudos teológicos, nem sua intensa vida de oração nos anos prévios à fundação da Obra explicam o nascimento do Opus Dei, embora naturalmente ajudassem a que recebesse essa luz fundacional com as disposições apropriadas.

A mensagem essencial consiste em buscar a Deus – Pai bom e misericordioso – nas atividades de cada dia, especialmente no trabalho profissional, e também na vida familiar e na amizade. A missão dessa prelazia da Igreja católica consiste em lembrar que a santidade não é uma meta para privilegiados, mas está ao alcance de todos: do senhor, de mim, de um jovem, de um idoso, uma mãe ou um pai de família, uma pessoa doente ou saudável, rica ou pobre.

A santidade não é uma meta para privilegiados, mas está ao alcance de todos

Em palavras do fundador, é uma mensagem “velha como o Evangelho e como o Evangelho, nova”.

Conheci são Josemaria quando foi visitar os que participávamos de um curso de verão na Universidade de Navarra, no verão de1963. Atraiu-me a sua simpatia, a sua capacidade de falar com profundidade e simplicidade ao mesmo tempo. Mas foi especialmente em Roma, desde outubro de 1967 até seu falecimento em junho de 1975, quando pude tratá-lo mais, ouvi-lo com frequência em grupos mais reduzidos e, eventualmente, em conversas pessoais.

Impressionou-me, especialmente, o seu amor a Deus, a Nossa Senhora e à Igreja; o seu amor à liberdade e o seu bom humor. Lembro-me dele como uma pessoa com um grande coração, que compreendia as necessidades dos outros e sabia levar-nos a Deus. Lembro-me dele também como líder, enérgico e decidido quando era necessário.

3. Quais são as prioridades atuais do Opus Dei?

O principal objetivo é acompanhar cada mulher e cada homem que faz parte ou participa nas atividades apostólicas do Opus Dei, para ajudá-lo a viver o cristianismo em plenitude, santificando o trabalho profissional e todas as outras tarefas e circunstancias da vida diária. Para isso, é preciso partir da contemplação de Jesus Cristo. Neste sentido o programa de São Josemaria será sempre válido: “Que procures Cristo. Que encontres Cristo. Que ames a Cristo”. São momentos para adentrar mais e mais por caminhos de contemplação no meio do mundo, no meio das profissões, tanto nos grandes edifícios de Bruxelas como nas periferias das grandes metrópoles como São Paulo, Lagos, México ou Manila.

O Congresso do Opus Dei realizado em janeiro de 2017 definiu como prioridades, entre outras, o trabalho de evangelização no campo da família, dos jovens e dos mais necessitados. Hoje em dia é especialmente necessário redescobrir a beleza do amor matrimonial. No que diz respeito aos jovens, é crucial que os ajudemos a encontrar a resposta aos seus anseios, preocupações e ideais. Em relação aos mais necessitados, tanto no corpo como no espírito, é preciso ter presente que estão no centro do Evangelho e no coração de Jesus Cristo. Trata-se de continuar impulsionando iniciativas que ajudem a mitigar as necessidades concretas nesse mundo nosso ferido e que através delas se possa transmitir o consolo de Deus.

4. Os membros do Opus Dei são fundamentalmente leigos. Em que consiste o apostolado dos leigos?

O sacerdócio ministerial é essencial na Igreja: sem os sacramentos – especialmente a Eucaristia e a Penitência que só o sacerdote pode administrar –, o apostolado dos leigos seria completamente insuficiente. Por sua vez, sem o apostolado dos leigos, o sacerdócio ministerial ficaria extraordinariamente, limitado: que faríamos os sacerdotes para a formação cristã das novas gerações sem a colaboração dos pais e mães de família? Como poderia chegar o trabalho pastoral dos sacerdotes a tantas pessoas do mundo da ciência, da economia, dos direitos humanos, da política, da arte, do jornalismo e de tantas outras profissões e trabalhos?

São Josemaria dizia que o modo especifico dos leigos de contribuir para a santidade e para o apostolado na Igreja é levando o fermento da mensagem cristã à sociedade, através da sua ação livre e responsável nas estruturas temporais. Na sociedade, os leigos evangelizam com o seu exemplo, com a sua honestidade, com a sua laboriosidade, com a sua justiça, com a sua alegria, com a sua lealdade, com a sua fé, com a sua fraternidade com todos. A amizade com os seus colegas e o prestígio profissional que podem adquirir em seu trabalho, oferecem a possibilidade de ajudar pessoalmente os outros a encontrar o Evangelho, apesar das limitações e dos erros que todos nós temos.

O Concílio Vaticano II lembrou que é essa a principal missão dos leigos na Igreja. Isso não impede que alguns sejam chamados a cargos de responsabilidade na estrutura da Igreja, que não exijam para seu exercício ter recebido o sacramento da Ordem. Será outra manifestação de generosidade e de serviço aos outros. Em todo caso não esqueçamos que isso não é o essencial do leigo e que, como diz o Papa Francisco, promover o laicato não consiste em “clericalizá-lo”.

5. Existem muitos preconceitos com relação ao Opus Dei. Como explica às pessoas que não precisam ter medo do Opus Dei.

Diante das críticas, venham de onde vierem, sempre temos de fazer exame, para ver se de alguma maneira são justificadas por causa do nosso comportamento, pela nossa falta de correspondência à graça de Deus; e, neste caso, corrigir-nos. Além disso, temos de ter paciência: o Opus Dei é ainda muito jovem e as novidades na vida de Igreja e da sociedade frequentemente foram recebidas com dificuldade.

Francamente penso que não há nenhum motivo para ter “medo” – por usar a palavra que menciona – do Opus Dei, dentro ou fora da Igreja: não buscamos impor-nos nem impor nada. Amamos – não só respeitamos – a liberdade nossa e a de todos, também a daqueles que não pensam nem vivem como nós. A única ambição do cristão, seja ou não do Opus Dei, é a de mostrar como a esperança cristã corresponde aos desejos de felicidade do homem.

6. Após sua nomeação como prelado o senhor comentou com a imprensa que existe perfeito entendimento entre o papa Francisco e o Opus Dei. Como a prelazia apoia as prioridades deste papa?

Como todos os católicos, sabemos que o Papa é o Vigário de Cristo na Igreja universal. E que é missão do católico unir à cabeça, levar – como dizia são Josemaria – “Roma à periferia e a periferia a Roma”.

Na audiência que me concedeu após a minha nomeação, o Papa foi muito carinhoso, próximo, e interessado pelo trabalho apostólico do Opus Dei em diferentes países. Deu-me conselhos sobre como responder, sendo fiel ao carisma recebido do fundador, às circunstâncias mutáveis de cada época e lugar. Entre outras coisas animou-nos a ter muito presente o trabalho de evangelização na “periferia das classes médias”: levar o amor de Deus ao vasto mundo das profissões. Também tive ocasião de conversar sobre diferentes projetos que pessoas da prelazia e amigos têm empreendido para tratar de amenizar as carências mais básicas em diversos países, como, por exemplo: iniciativas para a integração de refugiados e imigrantes na Alemanha, a promoção dos cuidados paliativos em lugares chamados do “primeiro mundo”, novas iniciativas para a promoção humana em bairros pobres de diferentes cidades, e atividades de formação humana e cristã em muitos países do mundo.

Sem dúvida, procuramos apoiar as prioridades do Papa Francisco com os meios à nossa disposição e desejaríamos fazer muito mais. Gostaríamos de fazer mais do que já fazemos para propagar a alegria do evangelho, para cuidar da “nossa casa comum”, para estar perto das famílias, para mostrar a misericórdia de Deus.

7. Em 2018 se celebrará um sínodo sobre os jovens e a vocação. Que podem oferecer a Igreja e o Opus Dei aos jovens que com frequência têm pouca perspectiva de futuro?

Nós, os cristãos, temos uma resposta a oferecer aos jovens, embora às vezes seja pouco ouvida, talvez porque há ruído demais nas redes sociais que frequentam, e desânimo nas suas almas diante da corrupção e as injustiças.

É preciso ajudar a cada rapaz e a cada moça, a encontrar Jesus; a pôr-se perante o Homem-Deus, que nos conhece e ama pessoalmente.

Como Bento XVI e Francisco recordaram, a proposta cristã não é apenas nem principalmente uma doutrina, menos ainda uma serie de preceitos pouco compreensíveis, mas uma pessoa: Jesus de Nazaré. É preciso ajudar a cada rapaz e a cada moça, a encontrar Jesus; a pôr-se perante o Homem-Deus, que nos conhece e ama pessoalmente. Da Cruz ou da Hóstia consagrada, Jesus olha para cada um de nós, diz que nos conhece pelo nosso nome, que também sabe dos nossos erros, desânimos e misérias, mas que apesar de tudo decidiu vir à terra, sofrer a paixão e morrer pela nossa felicidade terrena e eterna. E que Ele só pede a nossa correspondência. Evangelizar em primeiro lugar com a oração, depois com as nossas vidas, e finalmente com a nossa palavra.

Corresponde a nós, os cristãos, apresentar este panorama à geração atual. Especialmente aos numerosos jovens que já encontraram a Jesus e que podem aproximar-se dos seus amigos mais facilmente que os adultos. Esse apostolado deve ser feito, sobretudo, com a oração, depois com nossas vidas e finalmente com nossa palavra.

8. O Opus Dei em Roma é responsável também pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Poderia dizer alguma coisa sobre o fim desta universidade?

A Universidade da Santa Cruz é uma das universidades pontifícias mais recentes. Reconheço que a tenho especialmente no meu coração, porque foi querida por são Josemaria, fundada pelo seu sucessor, o bem-aventurado Álvaro del Portillo, e acompanhada muito de perto pelo meu predecessor, Dom Javier Echevarría. E, além disso, antes de ser Grão-Chanceler, eu fui professor de Teologia Fundamental durante bastantes anos.

Apesar de existir há poucos anos, a Universidade procura trabalhar bem, tem publicações de bom nível cientifico e procura dar uma formação completa aos seus alunos – doutrinal, sem dúvida, mas também pastoral e espiritual.

Deseja assim servir a Igreja, aos bispos e superiores religiosos que enviam os seus alunos, e cooperar com outras Universidades Pontifícias, algumas com séculos de vida, na preparação de um clero e um laicato bem formado, com uma doutrina teológica, jurídica, filosófica atualizada e, ao mesmo tempo, fiel à tradição da Igreja. Não é pequena ambição.

21 novembro, 2017