Como é possível sofrer tanto e sorrir?

A aventura começou há alguns meses, quando nos confirmaram que, em Julho, poderíamos participar da Suécia num campo de trabalho em Udbina, povoação da região de Lika, na Croácia, onde se vivem as consequências da guerra que assolou a região.

A decisão de levar a cabo esta iniciativa nasceu de umas palavras de São Josemaria, que meditei muitas vezes:

Temos de pedir ao Senhor que nos conceda um coração bom, capaz de se compadecer com o sofrimento das pessoas, capaz de compreender que, para remediar os tormentos que acompanham e muitas vezes angustiam as almas neste mundo, o verdadeiro bálsamo é o amor, a caridade: todos os outros lenitivos servem apenas para distrair durante uns momentos, e deixar amargura e desespero depois.

Um grupo de universitárias de Estocolmo e de Malmö estava disposto a ir, durante as suas férias, ao encontro de pessoas que precisavam de companhia, carinho e alegria.

Na manhã de 19 de Julho, esperavam-nos em Zagreb as jovens croatas que também iam participar no voluntariado, e em Udbina iriam juntar-se a nós as que vinham de Inglaterra. Éramos um grupo de trinta e duas que iria ocupar nesses dias as salas de aulas de um colégio como dormitórios e sacos-cama para dormir, incluindo a organização de turnos para a utilização dos poucos duches existentes, e um horário que envolvia a preparação das nossas refeições: pequeno-almoço, almoço e jantar, e a limpeza do colégio que foi, nesses dias, a nossa casa.

De manhã trabalhamos com pessoas de idade que, de um modo geral, viviam sozinhas e muito pobremente no campo, com poucos ou nenhuns recursos materiais. Membros da Cruz Vermelha acompanhavam-nos e orientavam-nos no trabalho que realizamos: limpar as casas, pintá-las, lavar a louça, preparar as refeições e acompanhar os idosos. Uma dificuldade que conseguimos ultrapassar com a ajuda das nossas companheiras croatas foi a questão da língua: elas traduziam-nos tudo.

As pessoas de idade precisavam de falar, de nos contar as suas vidas, o seu sofrimento. Uma de nós comentou a certa altura: “Como é possível sofrer tanto e continuar a viver e, mais ainda, a sorrir, sem rancor?” A guerra deixou uma marca profunda de dor, que se sentia nesta terra. Por isso, demo-nos conta de que, para além do trabalho material de limpeza ou pintura que fazíamos, o que as pessoas esperavam de nós era atenção, que fizéssemos caso delas, que as escutássemos.

De manhã, alternavamo-nos para ir a um lar de idosos e, de tarde, acima de tudo brincávamos com as crianças. Preparamos, entre todas, o necessário para o “grande show final”, que apresentaríamos aos idosos do lar, ao pessoal que aí trabalha e a todos os habitantes da aldeia que quisessem assistir.

Ao cair daquela tarde de Julho em que apresentamos o show, tínhamos todas um mesmo sentir. Estávamos cansadas devido ao trabalho realizado, mas com o coração cheio de gratidão. Entre nós próprias tinha nascido um sentimento de admiração de umas pelas outras. Ao trabalhar lado a lado com as jovens croatas, impressionou-nos a sua retidão e a sua generosidade. O comentário espontâneo das outras participantes foi: “São de se lhe tirar o chapéu, aprendi muito ao vê-las a trabalhar e servir, sendo as primeiras nos trabalhos mais difíceis e menos agradáveis”. Nós tínhamos viajado porque queríamos ajudar, conseguir mudar a vida de alguém; porém, a ajuda e a mudança produziram-se em nós, ao estar em contacto com as necessidades dos outros.

Uma atividade que teve um êxito inesperado foi o concurso de desenhos sobre t-shirts e leques.

Foi também um modo fácil de envolver mais gente da Suécia no projeto, já que nos arranjaram as t-shirts e outros donativos.

Já passaram alguns dias desde que regressamos, e reunimo-nos para ver fotos e vídeos, recordar o que vivemos, rir do susto que apanhamos quando um membro da Cruz Vermelha nos disse que, no sítio por onde caminhávamos, havia serpentes e que tínhamos de ter cuidado, etc. A Priscilla comentava a doçura dos idosos, a vontade de viver que transmitiam. Todas refletimos sobre as comodidades que temos e como, por vezes, pensamos que precisamos de mais e não é assim. A Catherine disse: “Quando cheguei a casa, percebi que tinha estado todo aquele tempo sem Internet e sem usar o telemóvel, e não aconteceu nada”,

Ao iniciar a viagem sabíamos que não poderíamos modificar a situação das pessoas, mas que podíamos ajudar alguma coisa. Fomos para dar “alguma coisa” e eles deram-nos muito mais. Aprendemos aquilo que nem os livros, nem os professores ensinam.

Durante todo o tempo, pedi a S. Josemaria que esses dias deixassem um rasto perene, como ele sugeria: Um homem ou uma sociedade que não reaja perante as tribulações e as injustiças, e que não se esforce por aliviá-las, não são um homem ou uma sociedade à medida do amor do Coração de Cristo.

Estocolmo, Agosto de 2009

Monick Tello